Em plena ditadura militar, meados dos anos sessenta, uma padre jesuíta, da Faculdade de Ciências Econômicas de São Leopoldo, propôs a realização de um programa social junto a uma comunidade operária do vale do sapateiro.Três acadêmicos de Ciências Sociais e um de Economia formavam o grupo de trabalho (Pedro, Tiago, João e Mateus). A cidade escolhida foi uma pequena gigante do vale, tendo em vista sua crescente expansão industrial, e a receptividade de um grupo de seis empresas calçadistas, que prontamente abraçaram a idéia, autorizando a elaboração do projeto inicial e mais, patrocinando todo o seu custo. Aprovado o programa, com seus vários projetos, acredito que tenha sido em 1964, partiu-se para a atividade de campo: Registro na Secretaria da Educação de uma Escola de primeiro grau, Convênio para uso noturno de uma Escola no perímetro central, inscrição de alunos adolescentes e adultos, alfabetizados ou não, convênios para atividades de extensão do ensino e assistência social. O interesse dos trabalhadores analfabetos pela escola e os demais em poder retomar seus estudos interrompidos, emocionou o idealizador, os empresários e os acadêmicos. Turmas extras tiveram que ser organizadas e as aulas extendidas até aos sábados e feriados para atender o calendário oficial. No início do ano seguinte, as tarefas de administração e docência foram distribuídas entre os novos professores. O economista cuidava da administração financeira. As avaliações periódicas dos professores traziam surpresas agradáveis e outras nem tanto.As maiores dificuldades eram relacionadas com os hábitos dos alunos: faltar às aulas:(futebol, aniversários, visitas à parentes, e outros). Pedro, o mais velho,contava das agruras passadas pelos alfabetizandos idosos, lutando assim mesmo para enfrentar as maiores dificuldades. Tiago, com sua voz de tenor agradava a gregos e troianos. Mateus fazia as cobranças dos empresários(sempre pontuais) controlava os gastos, sendo considerado, injustamente, um sovina. João, o mais jovem, era o mais emotivo, preocupando-se com seus alunos, de modo particular com a turma de alfabetização. Tinha os olhos sobre as duas alunas à sua frente, no centro da sala, sempre juntas: Gertrude, seu nome, cabelos loiros e olhos azuis,denunciavam logo a origem, era alegre e muito expansiva, superava sua dificuldade em pronunciar as palavras e as frases, tendo facilidade ao escrever. Antonia, mulata encantadora, seus olhos amendoados acompanhavam com com extrema atenção as palavras e os movimentos do mestre, ajudava sua colega de origem alemã, corrigindo-lhe a pronúncia, a expressão verbal. Antonia, por seu lado, sofria para escrever, tinha dificuldades motoras, não conseguindo acompanhar o ritmo do grupo. Começou a faltar às aulas. Num certo dia o professor decidiu manter uma conversa com ela e outros colegas com as mesmas dificuldades. Para espanto do mestre, Antonia retirou-se da aula lançando-lhe um olhar fulminante. João sentiu, naquele momento, incorporar-lhe Estevão, o personagem machadiano de “A Mão e a Luva”, e em Antonia, a Guiomar estava presente também:
“Naquela tarde, a tarde fatal,estando ambos a sós, o que era raro e difícil, disse-lhe êle que em breve ia voltar para S.Paulo, levando consigo a imagem dela,e pedindo-lhe em câmbio, que uma vez ao menos lhe escrevesse. Guiomar franziu a testa e fitou nêle o seu magnífico par de olhos castanhos, com tanta irritação e dignidade, que o pobre rapaz ficou atônito e perplexo. Imagina-se a angústia dêle diante do silêncio que reinou entre ambos por alguns segundos; o que se não imagina é a dor que o prostrou, - a dor e o espanto, - quando ela, erguendo-sedacadeira em que estava, lhe respondeu, saindo: - Esqueça-se disso.”
Felizmente, com Gertraude convencendo-a, Antonia retornou às aulas e completou o curso com brilhantismo e foi oradora da turma, para a alegria e orgulho de seu jovem mestre.
Infelizmente, no ano seguinte, os cursos foram suspensos e a Escola fechada. Motivo: a burocracia da Secretaria de Educação do Estado constatou que o programa não se enquadrava na lei do salário educação, embora a região seja tradicionalmente bem atendida, de modo qualificado, pelas redes de ensino fundamental público e privado.Se a Escola tivesse continuado não teria contribuído para diminuir os atuais índices de analfabetismo?
“Naquela tarde, a tarde fatal,estando ambos a sós, o que era raro e difícil, disse-lhe êle que em breve ia voltar para S.Paulo, levando consigo a imagem dela,e pedindo-lhe em câmbio, que uma vez ao menos lhe escrevesse. Guiomar franziu a testa e fitou nêle o seu magnífico par de olhos castanhos, com tanta irritação e dignidade, que o pobre rapaz ficou atônito e perplexo. Imagina-se a angústia dêle diante do silêncio que reinou entre ambos por alguns segundos; o que se não imagina é a dor que o prostrou, - a dor e o espanto, - quando ela, erguendo-sedacadeira em que estava, lhe respondeu, saindo: - Esqueça-se disso.”
Felizmente, com Gertraude convencendo-a, Antonia retornou às aulas e completou o curso com brilhantismo e foi oradora da turma, para a alegria e orgulho de seu jovem mestre.
Infelizmente, no ano seguinte, os cursos foram suspensos e a Escola fechada. Motivo: a burocracia da Secretaria de Educação do Estado constatou que o programa não se enquadrava na lei do salário educação, embora a região seja tradicionalmente bem atendida, de modo qualificado, pelas redes de ensino fundamental público e privado.Se a Escola tivesse continuado não teria contribuído para diminuir os atuais índices de analfabetismo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário