terça-feira, março 21, 2006

Alfabetizando Antônia

Em plena ditadura militar, meados dos anos sessenta, uma padre jesuíta, da Faculdade de Ciências Econômicas de São Leopoldo, propôs a realização de um programa social junto a uma comunidade operária do vale do sapateiro.Três acadêmicos de Ciências Sociais e um de Economia formavam o grupo de trabalho (Pedro, Tiago, João e Mateus). A cidade escolhida foi uma pequena gigante do vale, tendo em vista sua crescente expansão industrial, e a receptividade de um grupo de seis empresas calçadistas, que prontamente abraçaram a idéia, autorizando a elaboração do projeto inicial e mais, patrocinando todo o seu custo. Aprovado o programa, com seus vários projetos, acredito que tenha sido em 1964, partiu-se para a atividade de campo: Registro na Secretaria da Educação de uma Escola de primeiro grau, Convênio para uso noturno de uma Escola no perímetro central, inscrição de alunos adolescentes e adultos, alfabetizados ou não, convênios para atividades de extensão do ensino e assistência social. O interesse dos trabalhadores analfabetos pela escola e os demais em poder retomar seus estudos interrompidos, emocionou o idealizador, os empresários e os acadêmicos. Turmas extras tiveram que ser organizadas e as aulas extendidas até aos sábados e feriados para atender o calendário oficial. No início do ano seguinte, as tarefas de administração e docência foram distribuídas entre os novos professores. O economista cuidava da administração financeira. As avaliações periódicas dos professores traziam surpresas agradáveis e outras nem tanto.As maiores dificuldades eram relacionadas com os hábitos dos alunos: faltar às aulas:(futebol, aniversários, visitas à parentes, e outros). Pedro, o mais velho,contava das agruras passadas pelos alfabetizandos idosos, lutando assim mesmo para enfrentar as maiores dificuldades. Tiago, com sua voz de tenor agradava a gregos e troianos. Mateus fazia as cobranças dos empresários(sempre pontuais) controlava os gastos, sendo considerado, injustamente, um sovina. João, o mais jovem, era o mais emotivo, preocupando-se com seus alunos, de modo particular com a turma de alfabetização. Tinha os olhos sobre as duas alunas à sua frente, no centro da sala, sempre juntas: Gertrude, seu nome, cabelos loiros e olhos azuis,denunciavam logo a origem, era alegre e muito expansiva, superava sua dificuldade em pronunciar as palavras e as frases, tendo facilidade ao escrever. Antonia, mulata encantadora, seus olhos amendoados acompanhavam com com extrema atenção as palavras e os movimentos do mestre, ajudava sua colega de origem alemã, corrigindo-lhe a pronúncia, a expressão verbal. Antonia, por seu lado, sofria para escrever, tinha dificuldades motoras, não conseguindo acompanhar o ritmo do grupo. Começou a faltar às aulas. Num certo dia o professor decidiu manter uma conversa com ela e outros colegas com as mesmas dificuldades. Para espanto do mestre, Antonia retirou-se da aula lançando-lhe um olhar fulminante. João sentiu, naquele momento, incorporar-lhe Estevão, o personagem machadiano de “A Mão e a Luva”, e em Antonia, a Guiomar estava presente também:
“Naquela tarde, a tarde fatal,estando ambos a sós, o que era raro e difícil, disse-lhe êle que em breve ia voltar para S.Paulo, levando consigo a imagem dela,e pedindo-lhe em câmbio, que uma vez ao menos lhe escrevesse. Guiomar franziu a testa e fitou nêle o seu magnífico par de olhos castanhos, com tanta irritação e dignidade, que o pobre rapaz ficou atônito e perplexo. Imagina-se a angústia dêle diante do silêncio que reinou entre ambos por alguns segundos; o que se não imagina é a dor que o prostrou, - a dor e o espanto, - quando ela, erguendo-sedacadeira em que estava, lhe respondeu, saindo: - Esqueça-se disso.”
Felizmente, com Gertraude convencendo-a, Antonia retornou às aulas e completou o curso com brilhantismo e foi oradora da turma, para a alegria e orgulho de seu jovem mestre.
Infelizmente, no ano seguinte, os cursos foram suspensos e a Escola fechada. Motivo: a burocracia da Secretaria de Educação do Estado constatou que o programa não se enquadrava na lei do salário educação, embora a região seja tradicionalmente bem atendida, de modo qualificado, pelas redes de ensino fundamental público e privado.Se a Escola tivesse continuado não teria contribuído para diminuir os atuais índices de analfabetismo?

sexta-feira, março 17, 2006

Um Laboratório Exemplar

O Instituto Anchetano de Pesquisas é um grande laboratório. Cientistas,mestrandos pesquisadores, distribuem-se nos vários ambientes: Zooarqueologia, Análises Lito-cerâmico, Antropologia física, Botânica, Química para limpeza e acondicionamento de material.Essas atividades, somadas às pesquisas de campo no Brasil e países vizinhos, são coordenadas pelo Prof.Dr.Pedro Ignácio Schmitz, S.J. e Prof. Dra.Ana Luísa Vietti Bitencourt. Dentre os vários projetos em andamento destacamos: Arqueologia do planalto catarinense, Casas subterrâneas, Sistemas de assentamento pré-colonial, Florística e aspectos fenológicos em áreas abertas de restinga, Análise fitogeográfica no RS, Arqueologia da paisagem na pré-história brasileira, Paisagem e arqueologia no planalto do RS.
As agradáveis surpresas de quem chega pela primeira vez ao Instituto não ficam por aí. Tem mais: Um museu arqueológico e etnográfico, onde estão peças inteiras de cerâmica, arcos, flexas e outros objetos das culturas pré-colombianas; um museu capela, com móveis e objetos sacros provenientes das antigas missões jesuíticas e seminários; a Biblioteca da Província Jesuítica com 130.000 exemplares, alguns raríssimos, em latim, português e espanhol do século XVI( parte do acêrvo foi encaminhado à Unisinos); Biblioteca do Pe.Dr.Ignácio Schmitz ( especializada em Antropologia ), com 3.200 exemplares; Biblioteca do Instituto com 8.700 exemplares; Intercâmbio com 437 Instituições nacionais e internacionais; Filmoteca histórica; Um herbário com várias coleções de espécimes ( mais de 10.000 fungos, por exemplo). A coleção botânica do Pe.Dr.Aloisio Sehnen S.J., possui em torno de 90.000 exemplares.
Pela qualificação técnica e científica de sua equipe, o Instituto foi credenciado pelo MEC a manter o Mestrado em História e Estudos Ibero-Americanos, desde 1987, oferecendo bolsas da Capes e CNPq., que também apoiam parte das pesquisas de campo.Criado em 22.04.1956, no Colégio Anchieta, Porto Alegre, sendo o Pe.Luiz Gonzaga Jaeger seu primeiro diretor, foi transferido para para São Leopoldo em 1962, sendo mantido pela Sociedade Padre Antonio Vieira, através da Unisinos. Seu atual diretor é o Pe.Dr.Pedro Ignácio Schmitz, S.J.
O decido apoio da Unisinos merece destaque e caracteriza bem o estilo jesuítico de preservação dos valores históricos e científicos em alto nível.
Sem desprezar os recursos da área federal ( MEC, Ciência e Tecnologia ), pessoalmente, consideramos que mais recursos deveriam ser canalisados para entidades como o Instituto Anchietano de Pesquisas que desenvolve trabalho de renome internacional, incentiva os cientistas nacionais, motiva e transfere conhecimentos à comunidade regional e às escolas que tem atendido.
Os governos,(principalmente o federal), deveriam olhar com mais cuidado os benefícios oferecidos pelo Instituto e entidades similares, e não gastar uma fortuna em campanhas de resultados duvidosos como o referendo do desarmamento.
O Instituto que completa no próximo ano seu cinqëntenário, está localizado na antiga sede da Unisinos, no coração de SãoLeopoldo, Praça Tiradentes, 35.


Ecologia e Cultura

A visão ecológica da cultura pode ser considerada uma das mais importantes no auxílio aos seus estudiosos. Por exemplo, nos estudos da arqueologia e antropologia, está entre as mais produtivas visões da construção sistêmica entre arqueologia e antropologia, de acordo com Watson, Patty J. et allii.
A ecologia então, vem a ser definida como “a ciência das interrelações entre os organismos vivos e o seu meio ambiente ou o estudo da estrutura e funções da natureza”.
O homem faz parte desse sistema natural. Suas relações com outros organismos e seu ambiente físico ( habitat ), torna-se conhecida como ecologia humana ( Bates, 1953 ).
A maneira como ocorre a interação da maioria dos organismos, com os seus ambientes é densamente determinada por suas necessidades biológicas e suas
composições genéticas.
O ser humano vem desenvolvendo a cultura através dos tempos. As mais diversas formas de expressão cultural, são fruto da ação do homem, e vem servindo de mediadoras entre o homem e seu meio ambiente.
Assim podemos distinguir e caracterizar as mais diversas civilizações, com seus sistemas culturais: são, desse modo indentifícáveis a agricultura desenvolvida pelos Maias, nas terras baixas da mesoamérica, não subsistindo no tempo pela penúria desse novo entorno ambiental.( Estudos de Betty J.Meggers, 1954.) O modo de vida e subsistência dos esquimós, no Ártico, os aborígenes da Austrália, os boximane sul-africanos.
Exemplo negativo foram vítimas os peles vermelhas na América do Norte ( a matança indiscriminada de búfalos, lembram de Búfalo Bill?), desequilibrou todo um ambiente de vida dos nativos, causando inúmeras mortes, êxodo e extinção de nichos de cultura indígena, perfeitamente equilibrados.

Fontes:
Hardesty, Danald L., “Antropologia Ecologica”, Ediciones Bellaterra s.a.,Barcelona, 1977.
Watson, Patty J. et allii, “Explanation in Archaeology – an explicitly aproach”, Columbia University Press, N.Y., 1971.
Schmitz, Prof. Dr.Pedro Ignácio, “Antropologia Cultural”, Unisinos, S.L., 1968.